Quebra de Patentes: Por Que Licenciamento Compulsório e Suspensão de Direitos Contam Outra História

Com o aumento das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, provocadas pelo atual presidente Donald Trump — que ameaça aplicar uma tarifa de 50% sobre os produtos exportados pelo Brasil a partir de 1º de agosto —, especula-se quais seriam as possíveis medidas de retaliação do governo brasileiro. Nesse contexto, a propriedade intelectual surge como uma das áreas mais mencionadas, trazendo novamente à tona o popular termo “quebra de patente”.
Entre as diversas manifestações na mídia, destaca-se, por exemplo, uma postagem da deputada Erika Hilton na rede social X, no último dia 15 de julho, na qual ela afirma, equivocadamente, que, com base na Lei de Reciprocidade, o Brasil “pode quebrar patentes” de medicamentos de empresas dos EUA, citando como exemplo o que ocorreria com o medicamento Mounjaro. Mas por que essa afirmação — assim como a de muitas pessoas que debatem o tema — pode levar a uma interpretação imprecisa da lei?
A Lei da Propriedade Industrial (LPI – Lei nº 9.279/96) não menciona, e nunca mencionou, o mecanismo de “quebra de patente”. Na verdade, esse jargão popular refere-se, de forma imprecisa, ao instituto da licença compulsória. De acordo com o art. 71 da LPI, a licença pode ser concedida em casos de emergência nacional ou interesse público, de forma temporária e sem prejuízo dos direitos do titular da patente.
Isso significa que, mesmo que o titular seja obrigado a licenciar sua patente a terceiros para exploração comercial, a medida será temporária, e ele, ainda assim, receberá royalties relativos a exploração durante o período em que sua patente estiver licenciada compulsoriamente. Na prática, trata-se de uma “suspensão remunerada” e não de uma “quebra” definitiva.
E quanto à Lei de Reciprocidade, recentemente regulamentada por decreto? Ela, de fato, autoriza o Poder Executivo a suspender obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, passando a permitir que essa suspensão ocorra como resposta a uma agressão comercial — diferentemente da licença compulsória prevista na LPI, que tem caráter técnico e se aplica a situações de emergência ou interesse público interno. Ainda assim, a lei não prevê a “quebra de patente”, e os termos em que essa suspensão está redigida são vagos, o que pode gerar interpretações imprecisas quanto ao seu alcance e aplicação.
Portanto, é incorreto afirmar que a “quebra de patente” seja um mecanismo previsto na legislação brasileira. Além disso, a aplicação de suspensões de direitos como forma de represália pode ser um verdadeiro “tiro no pé”. O Brasil é signatário de acordos internacionais, como o TRIPS da OMC, e uma ação unilateral de retaliação comercial nessa área dificilmente encontra respaldo. Tal medida poderia gerar grande insegurança jurídica, afastar investimentos e minar a inovação tecnológica no país.