A campanha Magia Amarela, da Bauducco, violou os Direitos de Propriedade Intelectual do Projeto AmarElo, do Emicida?
Muito tem se falado nos últimos dias sobre o caso de um possível plágio na campanha publicitária “Magia Amarela”, da Bauducco, uma das marcas mais reconhecidas no mercado de alimentos e panificação. A polêmica surgiu quando foram percebidas algumas semelhanças entre a citada campanha e o projeto “AmarElo” lançado anteriormente por Emicida, levantando questões sobre ética, originalidade e responsabilidade no mundo da publicidade.
Esse caso serve como um lembrete sobre a importância da comunicação entre o setor de marketing e o setor jurídico de uma empresa. A marca e a sua reputação podem ser os bens mais preciosos de uma empresa e, por isso, ao criar qualquer anúncio publicitário, é necessário dar a devida atenção aos direitos autorais de obras musicais ou artísticas de terceiros. Essa precaução é crucial não apenas para garantir a segurança e reputação dos clientes ao utilizar essas criações em suas divulgações de seus produtos e serviços, mas também para evitar possíveis demandas judiciais, que são custosas e, dependendo do porte da empresa, podem até mesmo levá-la ao encerramento de suas atividades.
Por esse motivo, publicamos hoje o artigo “A campanha Magia Amarela, da Bauducco, violou os Direitos de Propriedade Intelectual do Projeto AmarElo, do Emicida?”, escrito por nosso Sócio Carlos Gruenbaum e por nossa Advogada Mariana Valente, que aborda questões sobre Direito Autoral e outras possíveis proteções relativas a esse assunto, para trazer uma reflexão em relação às semelhanças apontadas e à possibilidade de elas configurarem alguma infração de direitos de Propriedade Intelectual.
Leia a seguir:
A campanha Magia Amarela, da Bauducco, violou os Direitos de Propriedade Intelectual do Projeto AmarElo, do Emicida?
Por: Carlos Gruenbaum e Mariana Valente
A primeira imagem, à esquerda, é a capa de “Magia Amarela”, canção-tema da Campanha da Bauducco, e as duas imagens à direita são as capas do single e do documentário “AmarElo”, de Emicida [1].
A marca Bauducco, em sua campanha publicitária de reposicionamento lançada este mês, foi acusada por Evandro Fióti, empresário e irmão do Emicida, de ter “roubado conceitualmente” a música, o álbum e o documentário “AmarElo” do artista, lançados entre junho de 2019 e dezembro de 2020, depois de ter procurado ele e sua equipe para a realização da mencionada campanha sem, contudo, ter chegado a um acordo em relação a prazos e remuneração pelo serviço.
A música AmarElo de Emicida teve grande impacto, tendo sido vencedora de um Grammy Latino em 2020. O álbum do cantor, de mesmo nome, foi transformado em um documentário pela NETFLIX, revelando as inspirações por trás de cada música, passando pela história da cultura e dos movimentos negros no Brasil.
Por esse motivo, a acusação de plágio pelo irmão do Emicida causou grande repercussão nas plataformas digitais, gerando posicionamentos diversos dos usuários. Entre as semelhanças apontadas na internet, destacam-se: o layout das capas dos singles e do documentário (fundo amarelo, a posição dos artistas, a tipografia, o formato de coração formado pela posição das cantoras e o coração atrás do Emicida, o vitral no fundo semelhante ao vitral da capa do documentário do cantor) e, também, o uso da expressão “amar elos” na letra da música da Campanha.
A questão é, aparentemente, de difícil solução, pois outros aspectos devem ser considerados além da simples comparação entre uma obra e outra. Por exemplo, uma cor ou sua grafia não pode ser objeto de proteção por Direito Autoral, inclusive, as cores quentes e vibrantes, como vermelho, laranja e amarelo, estão em alta este ano. Além disso, é importante considerar que a identidade visual adotada pela Bauducco em todas as suas embalagens é predominantemente amarela, há anos:
No que se refere à posição de perfil dos artistas, à capa dos singles, à tipografia, ao formato de coração e aos vitrais, esses são elementos pouco distintivos no segmento do entretenimento, utilizados frequentemente nos setores musical e cinematográfico. Além disso, ao comparar especificamente as músicas, Magia Amarela e AmarElo, fica evidente que elas são definitivamente diferentes entre si, tanto na melodia, quanto na letra, não se verificando a ocorrência de plágio entre as canções.
Ocorre que, as várias “coincidências”, que por si só não caracterizariam uma infração de Direito Autoral por plágio, somadas ao fato de que a empresa havia anteriormente procurado o Emicida para estrelar esta mesma Campanha, fazem parecer que elas podem não ser apenas coincidências.
Nesse sentido, deve ser analisada a possibilidade de uma violação de Trade Dress, definido como o meio pelo qual o produto é apresentado ao mercado, podendo ser um elemento ou uma seleção de elementos que imediatamente estabelece que o produto se distancia dos outros e, por isso, se torna inconfundível [2].
Assim, essa “seleção de elementos” que, no todo, seriam intrínsecos ao projeto do Emicida e que fizeram alguns fãs relacionarem imediatamente “Magia Amarela” à “AmarElo”, pode ser alegada como o Trade Dress desse projeto do cantor, que teria sido violado pela Bauducco.
Nesse sentido, um dos requisitos essenciais para o reconhecimento da infração de Trade Dress é o risco de confusão ou associação indevida, o que se verifica no caso, visto que vários fãs do Emicida, de fato, associaram um trabalho ao outro, inclusive deduzindo que a Campanha teria sido criada pelo próprio Emicida.
É importante mencionar que não é relevante que a empresa não tenha tido a intenção de causar a associação na mente do consumidor, de trazer uma sensação de familiaridade entre o consumidor e o novo produto, ou, ainda, de desviar (de forma fraudulenta) clientela, pois para a caracterização da violação por Trade Dress, apenas o risco de associação basta.
Nesse aspecto, apropriar-se do Trade Dress da obra de um artista anteriormente cotado para estrelar a campanha, como meio de evitar os altos custos com o desenvolvimento criativo, foi, de fato, um aproveitamento parasitário da Obra AmarElo por parte dos criadores da Campanha Bauducco.
Tanto é assim que a Bauducco se pronunciou publicamente, cancelando a campanha publicitária da marca e retirando a música de todas as plataformas digitais e, por fim, declarou que está “dialogando com os artistas envolvidos”, no intuito de solucionar amigavelmente a controvérsia.
Dessa forma, pode-se concluir que o Direito Autoral nem sempre vai ser a alegação mais adequada para a cópia ou imitação de obras artísticas. Em algumas situações, o instituto do Trade Dress pode ser alegação mais favorável, justamente por considerar o “conjunto da obra” e a percepção dos consumidores (no caso, dos fãs) sobre os produtos comparados, que nessa conjuntura, fez toda a diferença para determinar a ocorrência da infração.
[1] Imagens obtidas em https://tribunaonline.com.br/entretenimento/famosos/juliette-e-duda-beat-plagiaram-amarelo-de-emicida-em-magia-amarela-152999 e em https://www.letras.mus.br/emicida/discografia/amarelo-2019/. Acesso em 24 de out. de 2023.
[2] SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal Vs. Trade Dress ou Conjunto-Imagem. São Paulo: Edição Tinoco Soares, 2004.