Além dos pixels: no limiar da ilicitude da propriedade intelectual na indústria dos jogos
Por: Bárbara Domingos e Taiane Ramos
Transpondo as fronteiras geracionais e culturais, o universo dos games é destaque número um na indústria do entretenimento. Mais do que nunca, o sucesso tem sido atribuído aos avanços tecnológicos e aos anseios do público, que busca por experiências antiestresse, lúdicas e recreativas, com intuito de aumentar sua qualidade de vida e felicidade privada.
O sucesso e a expansão desse universo se comprovam, por exemplo, com a recente adaptação para as telas, feita pela HBO Max, da franquia de jogos The Last of Us e do metaverso criado pelo Fortnite, extrapolando a fronteira dos consoles. Segundo o Valor Econômico, o segmento deve atingir o marco de US$ 187,7 bilhões em receita este ano. Somente no Brasil, a indústria já faturou o suficiente para promover um crescimento de 169%, de 2018 a 2022, no número de desenvolvedoras de games, evidenciando o aquecimento do mercado, inclusive, em âmbito nacional.
No entanto, na mesma medida em que as empresas desejam acompanhar essa força motriz, muito se questiona sobre a linha tênue entre inspiração e cópia de propriedade intelectual atreladas ao desenvolvimento dos jogos, que estão presentes em diversos processos de criação, desde physics engines e builds, até cutscenes e mecânicas centrais, tornando questionável a originalidade de algumas franquias.
Hoje, os jogos criam identidade. Conexões. Histórias envolventes que se entrelaçam à trajetória do mundo e fantasia, em universos tridimensionais e realidade virtual, levando os gamers a um nível de êxtase, curiosidade e envolvimento que moldam a maneira como interagem com a tecnologia. Por sua vez, as desenvolvedoras entenderam que para se adaptar à nova era dos games foi preciso criar distinção de marcas, personagens, roteiros, e inclusive, criar patentes de softwares e consoles para proporcionar uma experiência singular aos usuários. Ou seja, o valor comercial está intrinsecamente ligado aos elementos distintivos, tornando a proteção da propriedade intelectual um pilar que não pode ser ignorado neste segmento.
Dentro deste cenário, os casos de infração de propriedade intelectual são frequentes e envolvem o uso não autorizado de elementos criativos e inventivos protegidos sem a permissão do detentor dos ativos.
Alguns embates foram levados à justiça em busca da garantia desses direitos, como a controversa ação movida pela atriz Lindsay Lohan, que acusou a empresa Rockstar de ter feito uso indevido de sua imagem no vídeo game Grand Theft Auto V. A atriz alegou que a imagem de uma mulher de biquíni com um celular na mão, que aparece num layout de carregamento do jogo, e a personagem Lacey Jonas, que foge de paparazzi, basearam-se em suas características físicas. Entretanto, o tribunal decidiu que a atriz não poderia reclamar do ocorrido, pois entendeu que o jogo representou apenas uma mulher genérica, sem qualquer semelhança à Lohan, encerando o caso.
Em outro conflito, a Blizzard Entertainment, desenvolvedora do videogame World of Warcraft, processou a Bossland por concorrência desleal, violação de marca registrada e violação de direitos autorais. O cerne das alegações se baseou no fato da Bossland ter comercializado bots de trapaça, que levava os jogadores a uma violação dos termos de uso e de licença da Blizzard, permitindo aos usuários trapacear no jogo como, por exemplo, possibilitando que os jogadores vissem através das paredes, ou permitindo que ‘bots’ controlassem seus personagens. O tribunal decidiu a favor da Blizzard e concedeu à empresa US$ 8,6 milhões em indenização.
Numa decisão judicial envolvendo uma das gigantes da indústria de games, a Nintendo obteve êxito em impedir que a empresa MariCar, Inc. alugasse fantasias dos icônicos personagens da Nintendo para realizar corridas de kart, fazendo alusão ao clássico jogo de corrida Mario Kart. A corte judicial japonesa considerou que a MariCar não recebeu permissão para fornecer fantasias de personagens da Nintendo aos seus clientes e para usar imagens das fantasias em materiais promocionais, configurando uma violação da Lei de Proteção à Concorrência Desleal do Japão e a condenando no valor de US$ 70.000,00. Em complemento, a Nintendo afirmou que “continuará a tomar as medidas necessárias contra os danos causados à sua marca e propriedades intelectuais”.
São notórios os prejuízos causados frente às violações da propriedade intelectual no mundo dos games, podendo não apenas causar danos patrimoniais, como também danos à reputação das partes. Assim, é de total importância que a legislação seja bem fundamentada, bem como a sua interpretação, para assegurar que os detentores dos direitos estarão resguardados em eventuais litígios, considerando a relevância desse nicho.
Porém, os imbróglios legais envolvidos na proteção da propriedade intelectual na indústria de jogos eletrônicos ainda enfrentarão novos desafios num futuro breve. A rápida evolução das tecnologias e das formas de distribuição também acrescenta uma camada de complexidade a esses casos, pois ainda não há um consenso estabelecido quanto aos mais novos espaços ocupados pelos games, como o metaverso e NFTs. Apropriação não autorizada de marcas registradas, criação e compartilhamento não autorizados de conteúdo protegido por direitos autorais e a interconexão de elementos de diferentes propriedades intelectuais são apenas alguns dos desafios que emergem nesse cenário. Além disso, a natureza fluida e colaborativa do metaverso complica ainda mais a aplicação e fiscalização dos direitos, demandando soluções inovadoras para a proteção dos criadores e detentores de propriedade intelectual em meio a essa paisagem digital em constante transformação.
Links cases:
https://www.linkedin.com/pulse/propriedade-intelectual-na-ind%C3%BAstria-de-games-cen%C3%A1rio-geral/?originalSubdomain=pt
https://br.ign.com/the-legend-of-zelda-tears-of-the-kingdom/112302/news/nintendo-cria-patentes-de-mecanicas-e-ate-tela-de-carregamento-de-tears-of-the-kingdom
https://www.tecmundo.com.br/voxel/267398-nintendo-registra-patentes-mecanicas-zelda-tears-of-the-kingdom.htm
https://strebecklaw.com/copyright-infringement-games/ – Exemplos Casos
https://electronics.howstuffworks.com/11-video-games-that-resulted-in-major-lawsuits.htm