18/07/2023

O futebol para além das quatro linhas: a importância do licenciamento de marcas dos clubes esportivos

31 dez 1969

Por: Pedro Bastos Matheus
Giuliana Ribeiro Casazza

 

A partir do século XX, o futebol passou por um processo de expansão global, tornando-se um elemento central da cultura e identidade de diferentes povos. Não à toa, Nelson Rodrigues já nos alertava para a magnitude do esporte ao afirmar que, no futebol, o pior cego é aquele que só vê a bola. Hoje, a pelota ultrapassa os limites do gramado e representa, ao mesmo tempo, uma paixão universal e um negócio extremamente lucrativo.

De acordo com informações divulgadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2019, somente no Brasil, o futebol, considerando toda a sua cadeia de valor, tem uma contribuição direta e indireta equivalente a 0,72% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o que corresponde a um montante de R$ 52,9 bilhões.

Isso porque, há algumas décadas, o fenômeno futebolístico passou a estar intrinsecamente ligado ao espetáculo do marketing esportivo, transformando-se em uma verdadeira potência nessa área. O esporte aproveita estratégias de marketing para promover clubes, ligas, jogadores e competições em escala global. Assim, o futebol se tornou um terreno fértil para o desenvolvimento de marcas e negócios, impulsionado pela busca por patrocínios, contratos de publicidade, direitos de transmissão e licenciamentos.

Consequentemente, o futebol não se limita mais a ser apenas um jogo, mas também um business bilionário que precisa ser encarado como tal em todos os contextos comerciais possíveis. A profissionalização do esporte, a globalização e os avanços tecnológicos abriram caminhos para os clubes explorarem as oportunidades negociais disponíveis para o crescimento de suas marcas.

Nesse contexto, o licenciamento de marcas no futebol se apresenta como uma ferramenta estratégica essencial para os clubes gerarem receita, fortalecerem seus vínculos com o público consumidor e impulsionarem a expansão de suas marcas. O valor de uma marca figura como um dos elementos-chave para o sucesso dos torneios e o crescimento das empresas ou organizações relacionadas aos clubes.

O Real Madrid, por exemplo, é considerado o time de futebol com a marca mais forte e a segunda marca mais valiosa do mundo pela Brand Finance, com valor estimado de €1,46 bilhões. Além das habilidades atléticas extraordinárias de seus jogadores, a gestão de marca dos merengues tem sido fundamental para o seu sucesso.

A capacidade de atrair torcedores, jogadores, investidores e patrocinadores é um dos principais benefícios de se tornar uma marca notável dentro e fora dos gramados. No ano passado, o gigante de Madrid assinou um acordo comercial de aproximadamente €360 milhões com a Sixth Street e a Legends para a exploração de negócios relacionados a novos estádios por 20 anos. Esse tipo de parceria só é possível graças à gestão eficaz da marca do clube, que também permitiu iniciar uma reforma de €525 milhões no estádio Santiago Bernabéu.

Nesse ínterim, a proteção dos direitos de propriedade intelectual, especialmente das marcas, é verdadeiro trunfo a ser utilizado no contexto esportivo. A falta de proteção pode resultar em problemas para proteger os ativos de propriedade intelectual no exterior e na sua desvalorização.

Além disso, há implicações comerciais quando os clubes de futebol negligenciam a proteção da marca, e isso se reflete principalmente no enfraquecimento geral da marca.

Apesar de os símbolos de clubes desportivos, aí inclusas as marcas, possuírem proteção independentemente de registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI (art. 87, Lei No. 9.615/98, Lei Pelé), é importante registrar adequadamente as marcas dos clubes especialmente para abarcar produtos e serviços diversos daqueles ligados à própria atividade esportiva, objeto da proteção legal da Lei Pelé, e negociar acordos comerciais que ofereçam produtos e serviços confiáveis associados a elas.

A proteção adequada pode ser alcançada por meio do registro das marcas para os produtos e serviços desejados, a fim de obter proteção legal para atividades que não sejam aquelas ligadas à prática desportiva, e de contrato de licenciamento de marcas, que pode ser inclusive averbado também perante o INPI para ciência de terceiros, cujo procedimento é regulamentado pela Lei nº 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI). No Brasil, desde outubro de 2019, a adesão do país ao Protocolo de Madri tem facilitado também o registro simultâneo de marcas de entidades esportivas em diversos países.

Titulares de marcas muito famosas podem inclusive buscar proteção especial a marcas de alto renome, conforme dispõe o artigo 125 da LPI, que garante proteção especial em todos os ramos de atividade. No Brasil, o Clube de Regatas do Flamengo é titular de marca de alto renome “Flamengo”, de modo que pode buscar proteção contra o uso indevido de sua marca seja qual for o ramo de atividade em que estiver sendo usada, independentemente de registro na classe relevante.

Para garantir e maximizar o retorno dos investimentos marcários, os clubes devem estabelecer acordos de distribuição, marketing e licenciamento com cláusulas de proteção rigorosas e selecionar cuidadosamente os anunciantes. A exclusividade, qualidade, capacidade de distribuição e promoção do licenciamento da marca são requisitos essenciais para garantir o sucesso desses acordos.

O licenciamento possibilita ao clube focar em sua área de expertise, a prática desportiva, e utilizar o know-how e capilaridade de distribuição dos parceiros comerciais para levar os mais diversos produtos e serviços aos seus consumidores.

Já os torcedores, por sua vez, contribuem diretamente para o crescimento e sucesso esportivo do clube, já que a aquisição de produtos licenciados significa o pagamento de royalties ao clube, royalties estes que serão revertidos em melhorias e investimentos que podem levar a vitórias e títulos.

A construção de uma marca no futebol transcende as atividades esportivas e engloba a formação de uma comunidade de indivíduos que se identificam com o clube e seus valores, estando diretamente associada à cultura local e à história, de modo a atuar como um elemento distintivo que o singulariza em relação aos demais clubes de futebol.

No atual cenário futebolístico, em que o marketing e os negócios ganham cada vez mais relevo, a proteção dos direitos de propriedade intelectual e a gestão eficaz das marcas são elementos essenciais para o sucesso e crescimento dos clubes. O investimento no registro de marcas, acordos comerciais estratégicos e uma sólida estratégia de marketing possibilitam a longevidade, proteção e rentabilidade dos clubes de futebol.

 

Fontes:

https://br.lexlatin.com/reportagens/capacidades-da-marca-de-um-time-de-futebol

https://www.portalintelectual.com.br/as-capacidades-da-marca-de-um-time-de-futebol/

https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/1009/1/Fernando%20de%20Andrade%20Franco%20Malagrino.pdf

https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-apresenta-relatorio-sobre-papel-do-futebol-na-economia-do brasil#:~:text=O%20relat%C3%B3rio%20concluiu%20que%20o,de%20R%2452%2C9%20bilh%C3%B5es.

https://www.realmadrid.com/pt/noticias/2022/05/19/acordo-estrategico-entre-o-real-madrid-a-sixth-street-e-a-legends

https://www.realmadrid.com/pt/noticias/2023/06/06/o-real-madrid-e-a-marca-de-futebol-mais-forte-do-mundo-segundo-a-brand-finance

https://brandirectory.com/rankings/football/