A Copa do Mundo e o Marketing de Emboscada (Ambush Marketing)
Com o início da Copa do Mundo do Catar, que ocorre, pela primeira vez, no Oriente Médio, nossa torcida pelo hexa só aumenta e todas as atenções se voltam para a competição de futebol entre seleções de diversos países. Porém, uma questão que se coloca em pauta é saber de qual maneira as pessoas e empresas podem, ou não, se referirem, associarem ou, de alguma forma, se aproximarem do Campeonato Mundial sem que infrinjam os Direitos de Propriedade Intelectual da organizadora da competição e do titular de seus direitos de exploração comercial, a FIFA.
Nesse contexto, o marketing de emboscada é uma estratégia que tenta criar uma aproximação com o evento de marcas que não são oficialmente ligadas à Copa do Mundo.
Dentre os inúmeros casos de marketing de emboscada, talvez o que tenha sido mais marcante aos amantes de futebol – pelo menos àqueles que têm acompanhado a conquista do tetracampeonato nos Estados Unidos – foi a estratégia da Brahma, ao firmar com os atletas da seleção avença no sentido de que, ao comemorar a conquista do título, depois de longos 24 anos de seca, os jogadores deveriam fazer o nº 1 com as mãos, levantando o dedo indicador. Esse gesto estava presente em diversas propagandas da cervejaria, que utilizava o slogan “a Número 1”, e sua utilização pelos jogadores, portanto, ocorreu em detrimento da Kaiser, que era a patrocinadora oficial da CBF à época, e que teve que amargar a utilização de gestual típico de sua concorrente pelos jogadores da equipe por ela patrocinada.
Não causa espanto, portanto, que a questão tenha sido objeto de grande preocupação no Brasil por ocasião da realização da Copa do Mundo de 2014, oportunidade em que foi promulgada a Lei Geral da Copa (Lei No. 12.663/2012), que tipificava algumas condutas de marketing de emboscada como crimes, visando resguardar à FIFA e seus parceiros comerciais todos os direitos de Propriedade Industrial relativos ao evento. Ocorre que a referida Lei tinha prazo de vigência e as condutas tipificadas como crimes deixaram de ser penalizadas no dia 31 de dezembro do ano em que ocorreu a Copa, ou seja, 2014.
Mesmo com o fim da vigência da Lei da Copa, a FIFA ainda possui uma série de Direitos de Propriedade Industrial como, por exemplo, o registro da marca nominativa COPA DO MUNDO para os mais diversos ramos de atividade.
Existe uma grande dificuldade de se aferir quais condutas seriam lícitas e quais seriam ilícitas neste tipo de marketing de aproximação, pois o suposto infrator tenta contornar os Direitos de Propriedade Industrial da FIFA e de seus parceiros preferindo condutas que não colidam direta e claramente com os ativos de PI, mas que possa, de alguma forma, aproveitar-se indiretamente do interesse do público pela Copa do Mundo, captando assim os benefícios da associação com o torneio sem participar na cotização de patrocínio, acabando por usufruir de benefícios que deveriam ser exclusivos dos patrocinadores do evento.
Se, por um lado, os organizadores de um evento de tamanha importância devem lidar com o uso referencial e não comercial de suas marcas e direitos de PI, por outro, não se pode dar guarida a espertezas e artimanhas daqueles que pretendem usufruir de uma carona gratuita no evento organizado e financiado por terceiros, muitas vezes em detrimento de um concorrente seu que, para se associar àquele evento, teve de dispender elevada verba de patrocínio.
Costuma-se identificar dois tipos de marketing de emboscada: o chamado marketing de emboscada por associação, que seria, nos termos do tipo penal da lei da Copa, o ato de divulgar marcas, produtos ou serviços com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA ou o ato de, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica; e o chamado marketing de emboscada por intrusão, que seria o ato de expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária, ou seja, intrometer-se no evento de terceiros para lá expor a sua marca, sem ter qualquer vínculo oficial ou autorização para tanto.
Desta forma, são consideradas ilícitas as práticas de oferecer provas de comida e bebida, a distribuição de brindes, a publicidade em veículos automotores, aérea ou náutica nas proximidades dos locais de jogos, desde que não autorizadas expressamente pela FIFA e ainda o oferecimento de ingressos com o objetivo de lucro ou fins promocionais.
Como forma de educar e prevenir infrações, a organização da Copa do Mundo do Catar disponibilizou um guia para se evitar a infração de sua Propriedade Industrial[1], e que traz alguns aspectos e informações interessantes relativas ao escopo deste artigo.
Por exemplo, em relação à mídia tradicional, o guia da FIFA explicita que uma reportagem sobre o torneio comentando o torneio sem interesse comercial, por exemplo, não ofendem os direitos de PI da FIFA, mas as marcas da FIFA não podem ser usadas no layout ou destacadas, na parte superior ou no canto da página ou do site de forma recorrente ou em associação com marcas de terceiros não autorizadas, destacando, inclusive, não ser lícito o uso de expressões que pudessem indicar conexão com o evento, como “Apresentadas por….”, “Patrocinadas por…” etc.
No caso das mídias sociais e aplicativos de comunicação, o uso das Propriedades Industriais pelos torcedores, sem interesse comercial, é costumeiramente aceito, mas o uso exagerado e contínuo das marcas da FIFA pode ocasionar uma impressão de tentativa de associação com o evento, o que seria ilícito.
Ademais, postar ou compartilhar o conteúdo oficial da FIFA ou utilizar hashtags com marcas da FIFA é lícito, mas não pode haver interesse comercial por de trás, pois estes direitos comerciais são exclusivos dos patrocinadores, assim como a criação de nomes de domínio e websites, nos quais a utilização da Propriedade Industrial da FIFA é de exclusividade dos patrocinadores.
Qualquer propaganda comercial que utilize os Direitos de PI da FIFA, nomes comerciais que reproduzam marcas da FIFA, ou a utilização de ingressos para jogos, bem como sites de apostas ou loterias obviamente não são permitidas.
O Manual da FIFA explicita, ainda, que a utilização de motivos relacionados ao Futebol ou aos países participantes na decoração de lojas, restaurantes e outros negócios não constituem um uso desautorizado de suas marcas e que as exibições públicas das partidas em telões, por exemplo, só podem ser feitas com a devida licença, sob pena de se caracterizar, na opinião da FIFA, uma impressão de associação entre a FIFA e aquele que organiza a exibição pública do jogo.
Como vemos, não só de dribles, passes, faltas e gols é feita uma Copa do Mundo, existe muito trabalho além daquele feito pelos jogadores no gramado. Todo o investimento necessário para a organização deve ser recompensado pela atenção dos expectadores aos patrocinadores, e a relação entre os detentores dos Direitos de PI e o restante da sociedade, eletrizada pela competição que une os maiores craques num campeonato entre nações, gera uma série de questões e discussões jurídicas intrincadas.
[1] https://www.fifadigitalarchive.com/welcome_old/markrequest/Common/documents/FIFA_World_Cup_Qatar_2022_IP_Guidelines_English_Version_6_0_June_2022.pdf